2º quadrimestre de 2023

“Museus a céu aberto são um portal para vislumbrar a essência do que existe em volta e a abordagem íntima do artista com o ambiente”
 (Ucelli, 2016)

Um grande caminho foi percorrido no que diz respeito à evolução do museu enquanto espaço físico e, também, na teorização do conceito. Até meados do século XX vigorava a concepção de Museu como destino das obras de arte do passado, que, separadas de seu contexto, tornavam-se monumento, independente de sua função original e de seu valor simbólico.

Os estudos sobre as relações entre as obras de arte e seus espaços expositivos foram ganhando uma especial atenção por parte da historiografia surgida na primeira década do século XXI. Cada vez mais esse conceito era questionado e, à medida que os repertórios artísticos criavam e recriavam espaços que estimulassem a fruição e atuação dos sujeitos, propunha-se requalificar os espaços museais que até então eram entendidos “apenas” como “lugares de amostras ou contemplação”.

Na década de 1970, durante o evento que ficou internacionalmente conhecido como Mesa Redonda de Santiago do Chile, houve um aprofundamento científico que resultou na formalização do alargamento da noção do conceito de museu no qual as instituições passam a ser instrumentos de transformação social, para além da conservação e apreciação do acervo, com ações direcionadas à comunidade. Surgem, então, novas categorias de museu, de território, de patrimônio e de comunidade. 

A partir dessas reflexões, a categoria de “museu a céu aberto” tornou-se cada vez mais popular, embora o conceito tenha sido concebido pelos escandinavos no final do século XIX, quando um colecionador de arte decidiu transferir as construções históricas de uma fazenda a um lugar próximo à capital Oslo e abriu o local para visitação.

Inspirado nesse movimento, o rei Oscar II, da Suécia, teve iniciativa parecida e, em 1891, criou o primeiro grande museu a céu aberto em Skansen, próximo da capital, Estocolmo, como parte do Museu Nórdico, abrigando construções rurais de toda a Escandinávia, vestimentas folclóricasanimais vivos, música folclórica e demonstrações de artesanato. O sucesso obtido em Skansen fez com que a ideia se espalhasse por vários países.

Atualmente, há muitos museus e parques de esculturas ao ar livre no mundo, cada qual com sua característica museal específica mas que congregam basicamente a mesma proposta: a integração e sinergia entre a natureza e o estado da arte, além do estímulo da relação entre o homem e o espaço, levando em conta o respeito ao meio ambiente e a riqueza paisagística do lugar.

No cenário patrimonial brasileiro, iniciativas de museus a céu aberto já existiam desde a década de 1970. Os exemplos mais marcantes são: o Instituto Inhotim, em Minas Gerais, o Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, na cidade de Santos (SP), e o Museu Felícia Leirner, em Campos do Jordão (SP).

No caso do Museu Felícia Leirner, o equipamento foi inaugurado em 1979 e inicialmente abrigou as obras da artista que estavam instaladas no quintal de sua casa aberto à visitação. Para a artista, era fundamental que as esculturas estivessem sempre expostas ao ar livre:

“A escultura é como uma pedra, uma árvore, uma montanha, […] precisa estar ao ar livre para estar completa.”
(LEIRNER, 1979) 

Hoje, as obras dispostas no jardim seguem o critério da própria artista, agrupadas pelas fases da trajetória de Felícia: figurativa (1950-1958), a caminho da abstração (1958-1961), abstrata (1963-1965), orgânica (1966-1970) e recortes na paisagem (1980-1982).

Esta última fase, conhecida como “recortes na paisagem”, foi produzida após a inauguração do Museu e Auditório, para compor uma área específica do jardim. São recortes planiformes que funcionam como janelas, como molduras que contém a paisagem nelas. Se nas fases anteriores as esculturas se impunham à paisagem monumental, nesta fase a natureza se impõe à escultura evidenciando a abordagem íntima de Felícia com o ambiente.

Referências

ALMEIDA, Sérgio Pinto. As esculturas de Felícia Leirner mudam de jardim. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 de março de 1979. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=6880&anchor=4231816&origem=busca&originURL=&pd=99e6acadb015f6ad5a3d323db962cd38> Acesso em: 01/06/2023.

ALONSO, Maria Rita. Seis museus a céu aberto pelo mundo que valem a visita. Forbes, 2022. Disponível em: <https://forbes.com.br/forbeslife/2022/12/seis-museus-a-ceu-aberto-pelo-mundo-que-valem-a-visita/> Acesso em: 01/06/2023.

CHRISTOFOLETTI, Rodrigo; MORENO, Patrícia Ferreira. Museu a céu aberto: discussões sobre fruição, patrimônio e arte. Simpósio Temático – Anpuh: Patrimônio Histórico, História da Arte e territorialidades: novos espaços de ação social. 2013. Disponível em: < http://www.snh2013.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=1204&impressao>

JATOBÁ, Waldick. Arte E Natureza – Museus A Céu Aberto. São Paulo: Editora Luste, 2016.

MORI, Emília. O que é museu: definição complexa e controversa. Citalia Restauro, 2019. Disponível em: < https://citaliarestauro.com/o-que-e-museu/> Acesso em: 01/06/2023.

Museu a Céu Aberto: novo conceito valorizando a arte em espaços urbanos de Balneário Camboriú. Página 3, 2022. Disponível em: < https://pagina3.com.br/cidade/museu-a-ceu-aberto-novo-conceito-valorizando-a-arte-em-espacos-urbanos-de-balneario-camboriu/> Acesso em: 01/06/2023

PRIMO, Judite. Museologia e Patrimônio: Documentos Fundamentais – Organização e Apresentação. Cadernos de Sociomuseologia/ nº 15, Págs.95-104; ULHT, 1999; Lisboa, Portugal. Tradução: Marcelo M. Araújo e Maria Cristina Bruno.