3º quadrimestre de 2025
“A escultura é como uma pedra, uma árvore, uma montanha, […] precisa estar ao ar livre para estar completa.”
(LEIRNER, 1979)
Ao observar o conjunto escultórico de Felícia Leirner, é possível perceber como sua obra ultrapassa a dimensão estética para afirmar-se como um gesto de resistência — da artista, da matéria e da própria arte diante do tempo. No Museu Felícia Leirner, localizado em meio à paisagem natural de Campos do Jordão, suas esculturas enfrentam sol, vento, chuva e neblina, mantendo-se firmes e expressivas, como símbolos de permanência e de diálogo contínuo entre o humano e o ambiente.
Ao longo de sua trajetória artística, Felícia consolidou uma produção marcada pela força expressiva e pela busca de síntese entre matéria, gesto e emoção. A artista explorou diversos materiais — granito, bronze, cimento branco armado e gesso — sempre atenta às potencialidades e aos limites de cada um. Obras como Três Colunas (1966) e as esculturas da Série Habitáculos revelam o domínio técnico e a sensibilidade de Felícia em transformar a matéria bruta em gesto poético, capaz de resistir e dialogar com o tempo.
Essas esculturas, moldadas para perdurar, também se adaptam às transformações naturais do espaço: o brilho do bronze se altera com a oxidação, o granito ganha nuances com a umidade e a luz, e o cimento branco adquire tonalidades próprias com a ação das chuvas e da vegetação. Assim, o tempo — que poderia ser entendido como ameaça — torna-se parte integrante da obra, um agente estético que reafirma a vitalidade e a atualidade da arte de Felícia.
Apresentar um acervo escultórico ao ar livre é um ato de coragem e inovação. Poucos artistas ousaram transformar o ambiente natural em extensão direta de sua criação. Felícia Leirner o fez com plena consciência de que o espaço externo não seria apenas um suporte, mas um elemento ativo na experiência artística. Ao escolher o ar livre como morada definitiva para suas esculturas, reafirmou seu compromisso com o público e com a ideia de que a arte deve pertencer a todos — dissolvendo as fronteiras entre o museu e a paisagem, entre o olhar e o cotidiano.
Conservar esse legado implica compreender que a resistência das obras é também resultado de um trabalho técnico contínuo. A equipe do museu realiza monitoramentos diários, higienizações regulares e avaliações preventivas para controlar os efeitos da umidade, da temperatura, da radiação solar e da chuva sobre os materiais. Cada intervenção, por menor que seja, representa um gesto de cuidado e de continuidade — uma forma de resistência que dialoga com o propósito original de Felícia: criar algo que dure, que se transforme, mas que nunca desapareça.
Mais do que objetos materiais, as esculturas de Felícia Leirner são testemunhos de uma artista que fez da criação um ato de perseverança — frente aos desafios técnicos, à passagem do tempo e às transformações culturais. Mantê-las vivas no espaço e na memória é assegurar que esse gesto de resistência continue a inspirar novas gerações, reafirmando a arte como um território de permanência, sensibilidade e sentido.
Referencias
MUSEU FELÍCIA LEIRNER; AUDITÓRIO CLÁUDIO SANTORO. Plano museológico. Campos do Jordão: ACAM Portinari, 2021.
JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO LTDA. Relatório dos serviços de manutenção – Museu Felícia Leirner. São Paulo, 2018.
MORAIS, FREDERICO. Felícia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felícia Leirner, 1991.
LEIRNER, Felícia. Textos poéticos e aforismos. Org. J. Guinsburg e Sergio Kon. São Paulo: Perspectiva, 2014.







