3º Trimestre | 2019

É de conhecimento social que a família Leirner sempre esteve engajada no mundo das artes. Felícia parece ter aberto o caminho que assistiria às gerações futuras se envolvendo, de diferentes formas, com esse universo.

Acredita-se, partindo de estudos, que esse envolvimento possa ter tido raízes na trajetória de Felícia e seu marido – Isai Leirner – que, juntos, tornaram-se grandes apreciadores e consumidores de arte. A paixão de Isai era tão grande que se tornou diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e, posteriormente, da recém-criada Bienal de Arte de São Paulo, na qual também atuou como patrono e organizador. 

Felícia Leirner, que por sua vez frequentava esses mesmos círculos socioculturais, assistiu junto ao seu par o advento de uma arte inovadora que questionava os padrões da época e propunha um discurso, até então, inédito. Em sua obra pode-se sentir toda essa contemporaneidade e novidade que, em muitos casos, não são de simples compreensão nem nos dias atuais.

Sua atuação como artista visual sustenta-se por si só, quando conhecemos sua ativa participação no cenário artístico contemporâneo ainda incipiente no Brasil, tendo suas obras expostas em nove edições da Bienal de São Paulo, recebido o prêmio de melhor escultora nacional em 1963, além de ter obtido uma sala especial na Bienal de 1965, como relata o estudioso e crítico de arte Frederico Morais.

A genialidade nas inovações propostas pela arte de Felícia Leirner pode ser, igualmente, observada pelo modo com que ela definia a exposição de suas próprias esculturas para o público. No Museu Felícia Leirner, que divide espaço com o Auditório Claudio Santoro, as obras estão dispostas a céu aberto, possibilitando uma interação única entre arte, natureza e público, o que transforma a própria ideia clássica de museu em uma proposta mais abrangente, na qual o visitante pode relacionar-se com a obra de uma maneira mais desprendida e, quiçá, mais profunda. Vale lembrar que cada uma das obras foi posicionada e/ou criada em local previamente definido pela artista, o que faz dela a curadora de seu próprio museu.

Ao consentir uma interação mais livre, o visitante tende a explorar a escultura a partir de uma relação mais subjetiva e desprendida de padrões, trazendo seu repertório íntimo para o espaço da interpretação e permitindo-se “brincar” com a arte, estabelecendo uma afinidade mais verdadeira com o objeto artístico. Ao tomarmos como exemplo a Série Bichos, aqui exposta dentro da fase orgânica vivida pela artista, as oito esculturas que sugerem formas de animais convidam o visitante a usar o seu repertório individual para se relacionar e interpretar as formas que podem, tranquilamente, se adaptar à criatividade de cada visitante. Assim, a beleza da contemporaneidade expressa nas obras de Felícia Leirner está justamente nessa característica que permite a liberdade de aproximação, incita ao questionamento, e chama o observador a interpretar e analisar ao seu modo, tornando-se cocriador de sentidos e significados.  A arte de Felícia faz, portanto, com que nos movimentemos internamente, nos distanciando do papel de simples observadores e nos permitindo criar sentidos e nos transformar junto à peça. 

Para garantir a continuidade desse legado proposto pelas inovações artísticas de Felícia Leirner é que se torna imprescindível os cuidados com a conservação e restauração da coleção, que abarca o seu monitoramento diário pela estagiária de Acervo, igualmente responsável pela sua higienização e pelo aprofundamento nas pesquisas sobre o tema, bem como a periodicidade nas ações de equipe especializada em conservação e restauro de obras de arte, que trabalha em alinhamento com as equipes internas.

Todos os esforços e cuidados com a arte de Felícia Leirner são operados para que mais pessoas possam ter acesso a essa experiência artística única e transformadora. E se você ainda não se permitiu explorar livremente a coleção e deixar a sua imaginação livre para interpretar, experimente! Viva a arte e seu poder transformador assim como Felícia o fez: com liberdade, leveza e muita alegria!

Caso queira conhecer mais de perto os processos e rotinas de manutenção da coleção citados neste boletim, sugerimos que acesse os “Notícias de Acervo” produzidos anteriormente.

Ref.: Morais, Frederico, Felícia Leirner: a arte como missão/ Frederico Moraes