O que eu faço:
Arrumo, desarrumo
Corto, emendo, arranjo
Ferro, papel, pano, tudo que se chama coisas
Arrumando, desarrumando, modificando.
As coisas se modificam.
E daí, o que valeu?
Valeu o que senti e modifiquei.
- Felícia Leirner
A materialidade de uma obra refere-se às suas qualidades físicas e sensoriais, como peso, textura, cor, flexibilidade e durabilidade. Está relacionada ao material escolhido, às técnicas empregadas e ao impacto dessas escolhas na forma final da obra e na experiência do observador. A materialidade também envolve os processos de desgaste, preservação e conservação da obra, conectando-a ao tempo e ao ambiente. Compreender a dimensão material de uma obra exige o conhecimento das especificidades e dos procedimentos próprios da linguagem artística à qual o artista se dedicou. No caso de Felícia Leirner, essa linguagem é a escultura.
A escultura é uma forma de expressão que explora o volume, a textura e o espaço, utilizando materiais variados como pedra, metal, madeira, argila, resina e gesso. Suas técnicas incluem modelagem, talha, fundição, montagem e soldagem, dependendo do material e do processo artístico escolhido. Para criar suas esculturas, Felícia Leirner utilizou técnicas como modelagem, moldagem, fundição, cinzelação e calfitice.
O processo de produção de uma escultura envolve diversas etapas. Geralmente, começa com a construção de uma estrutura de metal ou arame que sustenta o barro ou argila, passando por etapas como cozimento do material, tiragem de moldes em gesso ou cera perdida, ampliação e fundição. Na fase final, pode ser aplicada uma pátina para dar a coloração desejada. Muitos desses procedimentos contam com a colaboração de outros profissionais, como assistentes, fundidores, soldadores e técnicos especializados na ampliação.
Diferentemente da pintura, onde geralmente há apenas uma versão original, a escultura permite a criação de múltiplos exemplares (em barro, gesso, bronze, entre outros materiais) que são considerados originais. Por isso, é comum que museus possuam diferentes versões de uma mesma escultura. Esse é o caso de algumas obras de Felícia Leirner, como “Cruzes VI”, uma peça em bronze criada em 1963. Há um exemplar no Museu Felícia Leirner, em Campos do Jordão, e outro na Tate Gallery, em Londres.
A modelagem é uma técnica escultórica que consiste na criação de formas tridimensionais a partir de materiais maleáveis, macios e flexíveis, como cera, massa de modelar, argila ou barro.
O processo começa com esboços que definem as formas desejadas; em seguida, o volume é acrescentado ao material para dar forma e aumentar as dimensões da peça. Para garantir a sustentação da obra durante a modelagem, utiliza-se uma estrutura base, chamada "armação", que pode ser feita de madeira e/ou metais. Após os acabamentos e a secagem, peças de argila ou barro podem ser submetidas ao processo de queima, tornando-as mais resistentes e duráveis.
A peça modelada é considerada a obra primária, geralmente criada integralmente pela pessoa escultora, com o auxílio de assistentes, quando necessário. Após a modelagem, outras técnicas, como a moldagem e a fundição, podem ser aplicadas para reproduzir a peça em materiais mais duráveis, como gesso ou bronze.
A moldagem é um processo artístico que consiste na criação de uma fôrma, matriz ou molde a partir de um modelo original. Essa técnica é amplamente utilizada para transformar peças de barro ou argila em obras de gesso ou resina, além de possibilitar a produção de cópias.
O modelo, geralmente em argila, é preparado com a aplicação de um agente desmoldante e a marcação de uma linha que separa as duas faces da peça. Em seguida, camadas de gesso são aplicadas, formando um molde oco após a secagem. Esse molde é então preenchido com gesso, resultando em uma obra inteiriça. A partir dessa versão em gesso, novos moldes podem ser criados para produzir cópias em gesso ou em bronze. Durante o processo, a escultura original em barro ou argila é frequentemente danificada, e a versão em gesso passa a ser considerada o original da obra.
A moldagem permite a produção em série de esculturas e desempenha um papel essencial na preservação de obras de arte, possibilitando sua reprodução em materiais mais resistentes e duráveis.
Para transformar uma obra em terracota, argila ou gesso em uma peça de metal, utiliza-se o processo de fundição, geralmente realizado em casas especializadas que dispõem do espaço, equipamentos e mão de obra necessários para esse tipo de trabalho. As duas principais técnicas empregadas são a fundição em areia, amplamente utilizada até o final do século XIX, e a fundição em cera perdida, predominante ao longo dos séculos XX e XXI por sua maior praticidade.
O processo de cera perdida começa com a criação de um molde em cera a partir do modelo original de gesso. Este molde em cera é então revestido com um molde refratário de gesso. Após a secagem, o conjunto é aquecido, fazendo com que a cera derreta e escorra, deixando uma cavidade no formato do modelo original — etapa que dá nome à técnica, "cera perdida". Em seguida, o metal líquido (ou uma liga metálica) é despejado na cavidade deixada pela cera. Após o resfriamento, o molde é quebrado para liberar a peça de metal fundido, que passa por etapas de polimento, patinação e outros acabamentos para atingir a aparência desejada.
Para a criação de suas esculturas em bronze, Felícia Leirner contou principalmente com os serviços da fundição Metello Benedetti, localizada em São Paulo.
A talha em pedra ocorre em três etapas principais: a divisão do bloco para a remoção de grandes porções de material; o desbaste; e o acabamento com tratamento final. O desbaste envolve a definição de contornos e planos por meio de corte, cinzelação e abrasão. Existem dois métodos principais de talha: o talhe direto, no qual o escultor trabalha diretamente com martelo e cinzel sobre a pedra sem usar um modelo, e o talhe indireto.
O método indireto, amplamente utilizado nos séculos XIX e XX, baseia-se em um modelo, geralmente de gesso, para marcar pontos de referência. Com o auxílio de um sistema de triangulação, o escultor ou técnico transfere as medidas para o bloco de pedra usando compassos ou máquinas específicas. A partir dessas marcações, volumes e texturas são talhados com martelo e cinzel, aproximando-se o máximo possível do modelo em gesso. Após essa etapa, a escultura pode ser submetida a polimento ou outros tratamentos, dependendo do tipo de pedra utilizado.
Felícia Leirner produziu algumas esculturas em granito usando essa técnica, incluindo “Maternidade” (1952) e “Figura Arcaica II” (1960), ambas integrantes do acervo do Museu Felícia Leirner.
A calfitice é um método utilizado em construções civis sustentáveis, no qual cal, fibra, terra e cimento compõem a edificação. Nesse processo, a terra é o componente principal da argamassa, conferindo textura e coloração, enquanto o cimento proporciona maior resistência à mistura. A cal hidrata o cimento e, junto com a fibra, previne fissuras e rachaduras.
Na década de 1960, Felícia Leirner adaptou essa técnica — aprendida com pedreiros de Campos do Jordão — para criar suas esculturas de proporções monumentais. O processo começava com a criação de um esboço, seguido pela concepção de uma estrutura metálica fixada em uma base. Sobre essa estrutura, aplicava uma camada de atadura embebida em gesso líquido e, posteriormente, uma camada de argamassa de areia e cimento. Para os acabamentos, utilizava uma mistura de areia com cimento branco, que também conferia a coloração final à obra.
O desenvolvimento dessa técnica surgiu como solução para a dificuldade de fundir esculturas em bronze enquanto residia em Campos do Jordão. Essa escolha revela a flexibilidade de Felícia em explorar novos materiais e sua vocação para a experimentação artística.
A conservação é tanto a intenção de proteger um bem cultural, seja ele material ou imaterial, quanto a própria ação para este fim.
Conservar um bem cultural implica em um conjunto de ações que visam evitar a sua deterioração, minimizando riscos e intervenções diretas. Leva em conta as características físicas do objeto e o contexto em que está inserido, e envolve a análise e o controle do ambiente, a formação de equipes especializadas e a implementação de protocolos de monitoramento.
No Museu Felícia Leirner, o acervo é instalado e exposto permanentemente a céu aberto, o que exige cuidados específicos. Esses cuidados envolvem não apenas os núcleos da instituição, mas também a colaboração com uma equipe especializada em conservação e restauro.
Clique nos botões e veja como ocorre o processo de conservação das obras de acordo com seu suporte material.